Infelizmente, percebo que ainda é difícil as pessoas procurarem por ajuda em saúde mental. Muitas vezes é o preconceito que as impede de buscar o auxílio de que tanto precisam. Conheça alguns deles e entenda o motivo de não passarem de mitos que merecem ser combatidos.
1 Psiquiatra é médico de louco
Esse talvez seja o mais comum e o mais danoso. Nossa mentalidade coletiva foi contaminada por filmes e novelas passados em hospícios, preenchidos de pacientes psicóticos e médicos frios. Ninguém quer se imaginar em uma dessas cenas, tão clichês quanto falsas. A verdade é que a maioria dos que procuram um psiquiatra para receber um tratamento farmacológico — e é esse médico que pode prescrever medicação — está muito distante da personagem de hospício.São pessoas que precisam se esforçar demais para se levantar da cama no raiar de um dia. Ou que passam uma tarde inteira preocupadas com os filhos e não conseguem se concentrar em mais nada. Ou até gente que pensa em terminar com a própria vida. Em resumo: são indivíduos que estão sofrendo além da conta. Portanto, psiquiatra não é médico de louco e, sim, médico de quem está sofrendo.
2 Tomar remédio para se sentir melhor é fraqueza
Eu, particularmente, acho que pedir e aceitar ajuda é a força que mais faz falta atualmente. Mas, no fundo, sei que esse argumento não costuma colar muito. O problema desse mito é que lança mão de uma relação equivocada: a de que a força diz respeito a tudo o que existe de bom. Por isso, caímos no engano de que fazer mais, aguentar mais, suportar mais é sempre o certo e o melhor — algo que me parece típico da nossa nossa cultura competitiva.Já eu, sinceramente, acredito no contrário. A relação adequada é a do merecimento. Ótimo que você aguenta sofrer, mas, com frequência, tomar o remédio correto é aceitar que você merece uma vida com menos sofrimento. Para daí decidir ser forte em todos os outros lugares e em outras situações.
3 Se eu tomar remédio psiquiátrico, vou ficar viciado
Alguns remédios psiquiátricos podem, de fato, viciar. No entanto, não é o que acontece com a maior parte das medicações. Digo ainda mais: não é o que acontece quando o medicamento é receitado por um médico psiquiatra responsável e cuidadoso. O problema é tomar algo por conta própria, sem saber direito o que está fazendo.
4 O remédio psiquiátrico vai mudar quem eu sou
Esse é um mito mais complicado para desfazer. Afinal, por um lado, o remédio deve mudar um pouco como você está se sentindo — é o esperado dele. E isso, às vezes, pode até alterar a maneira como você está pensando. Contudo, não significa que ele vai mudar a sua essência. A verdade é que temos diversas vozes na nossa cabeça. Quando estamos bem, conseguimos ouvir todas, ignorando as que merecem ser ignoradas e ouvindo as outras.No entanto, quando estamos em um sofrimento elevado, é como se uma dessas vozes ganhasse um microfone ligado ao sistema de som do show dos Rolling Stones. Então, seu volume supera todo o resto. Se estamos ansiosos, por exemplo, uma voz ficará gritando o tempo inteiro que algo terrível está para acontecer. Pode ser exaustivo. O que o remédio faz, em um caso desses, é lhe tirar o microfone, fazendo com que essa voz passe a ter o mesmo volume de todas as outras. Para que a pessoa que você de fato é possa escolher com calma ao que quer dar ouvidos.
5 Terapia é só ficar falando sobre o meu passado
A verdade que muitas abordagens na psicologia (como a da psicanálise) acreditam que só podemos nos sentir melhor se nos reavermos com o nosso passado. Essa, entretanto, não é a única regra. Outros modelos, como o da terapia cognitiva comportamental (TCC), realizam um trabalho bem mais focado no momento atual, na sua relação com o mundo hoje ou na maneira como você interpreta o seu dia a dia, voltando o olhar para o passado apenas quando isso se mostrar muito necessário.Ou seja, você pode procurar, se quiser, uma linha terapêutica para esmiuçar o seu passado. Ou, se preferir, pode escolher uma terapia focada na situação presente.
6 Eu sou muito velho para mudar
Alguns padrões comportamentais se tornam mais arraigados quando envelhecemos. Outros, ao contrário, ficam mais flexíveis. De todo modo, nossa idade não é mais desculpa. O ser humano, por mais cabeça dura que seja, continua aprendendo até o dia de sua morte (para o bem e para o mal).
7 Só ficar falando dos meus problemas não vai me ajudar em nada
Posso fazer uma confissão? Eu concordo com essa afirmação. Se terapia fosse um bate-papo comum, ela não seria eficaz. A questão é que, nela, é possível olhar para problemas de maneira nova –de um modo que apenas o profissional terapeuta com um ouvido treinado, não envolvido nas suas questões, poderá fazer.Esse olhar permite duas coisas: primeiro, encontrar novas soluções ou novas maneiras de fazer com que velhas soluções funcionem; segundo, aprender a viver melhor com aquilo que não tem solução, lidando com a dor que acompanha o problema. Terapia, frequentemente, é aprender a enfrentar o conquistável e aceitar o impossível.
8 Não adianta eu fazer terapia, o problema são os outros
Quase todos os adolescentes que atendi vieram com essa história. O problema é a minha mãe ou o meu pai, os dois são um saco, eles dizem. Outras dezenas de adultos chegaram com a mesma queixa – é a minha mulher, o meu chefe, a minha sogra.
Frequentemente, eles têm razão. O que, aliás, só faz da terapia um espaço importante para construir as ferramentas necessárias para lidar com as pessoas difíceis da nossa vida.
Dr. José Ricardo Pinto Silva