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Hipocondria é a doença que não existe

Hipocondria é a doença que não existe

Estudo da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, concluiu que 30% dos hipocondríacos apresentam também sintomas de depressão e ansiedade

Quando se fala em hipocondria, logo vem a mente a imagem de uma pessoa idosa (homem ou mulher), aparentando bem mais idade do que na realidade tem, sempre ao lado de uma gaveta cheia de medicamentos, reclamando de dores nas mais diversas partes do corpo e que quando conversa o assunto é um só: remédios, médicos e doenças.

Na verdade, o perfil de um hipocondríaco não é apenas este. Eles estão em todas as partes, não importando classe social, idade, sexo ou etnia.

Um detalhe é comum: quase sempre não admitem que sofrem do distúrbio. “Essa é a principal dificuldade para quem se afastar da doença”, admite o psicanalista Rubens Marcelo Volich.

Para os especialistas, o hipocondríaco é aquele que supervaloriza as sensações do seu corpo, interpretando erroneamente os fatos, e com isso acaba desenvolvendo medos e preocupações em ter uma doença grave.

O pânico coletivo causado pela pandemia de gripe provocada pelo vírus H1N1, por exemplo, tem feito com que, muitas pessoas, potencializem alguns sintomas e busquem sem necessidade o atendimento médico. Essa situação é descrita pelos psiquiatras como hipocondria transitória. No entanto, a exacerbação do distúrbio pode trazer como conseqüência um transtorno mental, já que a preocupação excessiva com a saúde pode estar ligada à relação do indivíduo com seu próprio corpo e com sua existência.

Dados divulgados pelo Ministério da Saúde apontam que mais da metade das pessoas que recorrem aos hospitais públicos, reclamando sintomas da nova gripe passam, na verdade, por um resfriado comum.

“Outros 30% chegam com sintomas leves da gripe sazonal”, observam as autoridades. No caso, só deve procurar os ambulatórios quem sentir sintomas mais expressivos de coriza, dor de cabeça, dores nas articulações, vômitos, diarreia, febre maior do que 38º e dificuldade respiratória.

Não se conforma

Para o hipocondríaco esse cuidado não funciona. Mesmo que o médico consultado ateste sua perfeita saúde, para ele, o sintoma ou a dor existe.

Assim, vai peregrinando de consultório em consultório. Rubens Volich reconhece que a queixa da pessoa deve ser encarada como uma demanda legítima.

“Quando o diagnóstico não confirma a pretensa doença, quem sofre do distúrbio passa a desacreditar do médico ou da clínica e, até mesmo, do laboratório que realizou o exame de sangue, por exemplo”, ressalta o especialista. Ele não se conforma, mesmo que médicos e exames provem o contrário. Para o psicanalista, o foco está na transferência de sofrimento. “A pessoa acredita que está doente, mas não consegue expressar o seu verdadeiro sofrimento”, analisa o psiquiatra.

Ter a notícia de que nada sofre sempre é um alívio para os pacientes, isso de fato não ocorre com o hipocondríaco, pois apesar de estar bem, ele não se sente assim. “A angústia permanece”, explica Volich.

Para o terapeuta, a hipocondria não surge do nada. Diversos fatores podem causar suas manifestações e a experiência da perda é um deles. Pode ser a de um emprego, uma separação amorosa ou mesmo a morte de um ente querido, entre outras.

Especialistas afirmam que, geralmente, a hipocondria está associada a outras doenças psicossomáticas. Um estudo da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, concluiu que 30% dos hipocondríacos apresentam também sintomas de depressão e ansiedade.

De acordo com o psiquiatra Sérgio de Barros Cabral, especialista em distúrbios da ansiedade, a maioria das pessoas tem certo grau de hipocondria. “Em torno de 5% das pessoas que buscam atendimento sem necessidade são diagnosticados como hipocondríacos”, reconhece.

Serotonina

A hipocondria é não é considerada doença, mas um distúrbio de ansiedade. Em casos extremos, aí sim, pode se transformar em doença. Pesquisas indicam que seus portadores têm em comum uma presença reduzida do neurotransmissor serotonina, responsável pela sensação de bem-estar.

Segundo a psiquiatra Ângela Maria Levoratto os prejuízos ao paciente que sofre do distúrbio são geralmente sociais, pois ele tem dificuldade de se relacionar com amigos e familiares, além de dificuldades no trabalho.

O hipocondríaco acaba tendo uma vida restrita, pois vive em função de remédios e consultas médicas. “Quando o problema vira uma obsessão, a pessoa acaba sendo rotulada como uma pessoa chata e muitas vezes discriminada por isso”, observa a psiquiatra.

Não tem remédio que cure a hipocondria, e sim, as suas conseqüências.

Para combater a ansiedade receitam-se calmantes. Contra depressão, antidepressivos.

Ângela Levoratto revela que, além da medicação, é importante que se faça um acompanhamento psicológico.

“Estes tratamentos visam proporcionar maior qualidade de vida e um relacionamento pessoal mais amistoso ao hipocondríaco”, completa.

Nome sim, doença não

A hipocondria é um distúrbio recorrente desde a Antiguidade. Os primeiros relatos sobre a doença foram feitos por Hipocrátes.

A origem do termo é composta pelas palavras gregas hypo, que significa sob e chondros, igual a cartilagem.

Assim eram identificadas as queixas de dor na região do hipocôndrio, palavra grega que se refere a uma área abdominal abaixo das costelas.

A partir do século XVIII, o termo passou a indicar um distúrbio mental, que se tratava com a aplicação de sanguessugas.

Em alguns países, a hipocondria era considerada a doença dos literatos, o equivalente masculino da histeria. O significado atual foi introduzido no século XIX, época em que diminuiu o interesse da medicina pelo assunto.

Sigismund Freud já apontava que as manifestações hipocondríacas guardam uma relação particularmente íntima com a angústia, ou seja, com os níveis de excitação no organismo, e com os recursos psíquicos do indivíduo para escoá-la ou ligá-la através das representações.

“A perspectiva freudiana evidenciou também que a hipocondria pode se manifestar livremente em todos os quadros psicopatológicos, fazendo parte também de muitas de nossas experiências cotidianas”, pontua Volich.

Sintomas e sinais

* Preocupação excessiva com a saúde
* Crença de há algo seriamente errado com seu corpo
* Irritação quando o médico não confirma o diagnóstico esperado
* Dores frequentes em diversas partes do corpo
* Medo de ser vítima de alguma enfermidade grave
* Autoreconhecimento de doenças relatadas por outros
* Maioria das queixas não levadas a sério